A série “Them” é uma obra impactante que, ao estrear em 2021, trouxe para o cenário do streaming uma narrativa assustadora, emocionante e extremamente provocativa. Criada por Little Marvin, essa produção original do Amazon Prime Video vai muito além de uma história de terror, mergulhando fundo em temas complexos como racismo, intolerância e o impacto do preconceito sobre a psique humana. “Them” se desenrola em uma Los Angeles dos anos 1950, com uma estética fiel à época, que traz à tona um clima de tensão crescente e um cenário aparentemente comum que esconde ameaças perigosas, tanto de origem humana quanto sobrenatural.
A Jornada dos Emory: Uma Família em Busca de Paz
A trama acompanha os Emory, uma família negra que sai do sul dos Estados Unidos e parte para a Califórnia, na época da chamada “Grande Migração” – movimento histórico em que milhões de afro-americanos deixaram o sul em busca de oportunidades no norte e no oeste do país, fugindo da segregação e do racismo mais agressivo. Henry Emory, veterano da Segunda Guerra Mundial, sua esposa Lucky, e suas duas filhas, Ruby e Gracie, chegam ao bairro de Compton, onde buscam finalmente viver em paz. No entanto, logo percebem que a nova vizinhança não está disposta a recebê-los de braços abertos.
Essa ambientação é uma peça chave para a série. A Los Angeles dos anos 50, tão vibrante e cheia de possibilidades para alguns, revela-se um verdadeiro campo minado para aqueles que ousam desafiar o status quo racial da época. Os Emory são hostilizados de imediato, e a hostilidade vai muito além de sussurros e olhares maldosos. Os vizinhos brancos se unem em uma tentativa explícita de afastar a família, com ações que vão de ameaças e invasões até assédio psicológico constante.
Terror Sobrenatural e Social: Uma Dupla Camada de Horror
O terror em “Them” não é apenas sobre o sobrenatural – embora o aspecto sobrenatural seja de fato perturbador. Ele também emerge do racismo cotidiano que a família enfrenta. Os vizinhos, especialmente a personagem Betty Wendell (interpretada por Alison Pill), personificam esse ódio explícito. Betty representa a hostilidade de uma comunidade que teme qualquer mudança e, em especial, rejeita a presença de uma família negra em seu território. Ela lidera uma campanha de terror psicológico contra os Emory, ao mesmo tempo que a série nos lembra que esse ódio pode ser mais assustador que qualquer ameaça sobrenatural.
Enquanto Henry e Lucky tentam manter a sanidade em meio a esse cenário opressor, eles começam a perceber que não estão apenas lutando contra o preconceito dos vizinhos. Há algo de verdadeiramente sombrio na casa que compraram – uma presença sinistra que parece se alimentar dos medos e traumas da família. Essa entidade sobrenatural, que nunca é completamente revelada, personifica os horrores psicológicos que o racismo causa. Lucky e as crianças, em especial, passam a ser atormentados por visões e experiências paranormais que parecem intensificar seus medos e inseguranças.
Personagens Profundamente Marcantes
Os Emory são retratados de forma profunda, e cada membro da família é desenvolvido com cuidado ao longo dos episódios.
- Lucky Emory (interpretada por Deborah Ayorinde) é o coração da família. Forte, determinada e disposta a qualquer coisa para proteger aqueles que ama, ela lida com a dor de um trauma passado enquanto enfrenta a nova realidade hostil. Lucky é assombrada por visões perturbadoras, mas sua luta é também uma metáfora para o peso que tantas mulheres negras carregaram na sociedade da época.
- Henry Emory (Ashley Thomas) é um homem ferido por dentro. Veterano de guerra, Henry lida com o trauma dos campos de batalha e tenta se estabelecer como um pai e marido exemplar. Ele é vítima de racismo no trabalho e em sua própria casa, e isso começa a comprometer sua sanidade e força.
- Ruby Emory (Shahadi Wright Joseph), a filha adolescente, vive um conflito interno enquanto tenta se adaptar ao novo colégio e ao ambiente que a rejeita. A angústia da juventude, potencializada pelo racismo, leva Ruby a questionar sua própria identidade e a se envolver em um jogo perigoso entre realidade e ilusão.
- Gracie Emory (Melody Hurd), a filha caçula, representa a inocência e a vulnerabilidade da família. Ela é a primeira a ver e ouvir coisas estranhas na casa, e essas experiências a traumatizam profundamente, fazendo-a questionar o que é real e o que é fruto da sua imaginação.
A Direção de Little Marvin e a Produção de Lena Waithe
Criador e showrunner, Little Marvin é o responsável por guiar a narrativa sombria da série, trazendo uma abordagem que mistura o real e o fantástico de maneira única. Marvin nos conduz por uma Los Angeles dividida e violenta, na qual o passado dos Emory colide com a dura realidade do racismo. Ele se vale de um terror psicológico que não apenas causa arrepios, mas também instiga reflexões sobre o racismo institucional e os traumas intergeracionais.
Ao lado de Marvin, Lena Waithe, a produtora executiva, é conhecida por sua habilidade em contar histórias de experiências afro-americanas autênticas e impactantes. Waithe já trabalhou em séries como “The Chi” e “Master of None”, e sua participação em “Them” é uma extensão de seu compromisso com a representação das lutas da comunidade negra. Juntos, Marvin e Waithe elevam a série a um novo patamar de terror social, muito próximo do trabalho de diretores como Jordan Peele, que usa o terror para expor as profundezas do preconceito e da violência racial.
Curiosidades sobre a Produção
- Referências ao Horror Social: “Them” é frequentemente comparada ao filme “Corra!” de Jordan Peele, e com razão. A série utiliza o horror como um espelho para refletir problemas sociais, um estilo que vem ganhando força no cinema e na televisão.
- A Escolha de Compton: O bairro de Compton, hoje famoso pelo hip-hop e sua cultura vibrante, era um bairro predominantemente branco na década de 1950, antes de se tornar um centro cultural afro-americano. A série explora as tensões desse período de transição.
- A Representação Fiel dos Anos 50: Toda a estética, dos cenários aos figurinos, foi criada para transportar o espectador para a década de 1950. Esse cuidado com os detalhes contribui para a atmosfera imersiva da série.
- Polêmicas com as Cenas de Violência: Desde o lançamento, “Them” gerou discussões sobre a intensidade de algumas cenas, que retratam o trauma racial de forma brutal. A série não poupa o espectador, e isso causou desconforto, mas também elogios pelo realismo.
Análise e Conclusão: O Horror Como Reflexo da Realidade
“Them” é uma série que se apropria do terror para expor as dores e as cicatrizes deixadas pelo racismo e pela discriminação. O horror sobrenatural se entrelaça com o horror cotidiano, de maneira que se torna difícil separar um do outro. A experiência de assistir à série é intensa e, em muitos momentos, perturbadora.
A obra deixa claro que o verdadeiro “monstro” é o ódio humano. Little Marvin cria uma narrativa em que o sobrenatural é, em última análise, uma manifestação dos medos e das opressões que marcam a história afro-americana. “Them” nos desafia a enxergar o racismo como um terror profundo e real, que destrói vidas e famílias, com ou sem fantasmas.
Para os fãs de terror psicológico que buscam histórias com profundidade, “Them” é uma escolha intrigante e provocativa. A série não só promete, mas cumpre a experiência de mergulhar em uma realidade perturbadora, que mistura o sobrenatural com os aspectos mais obscuros do comportamento humano.
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